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Nos últimos anos, uma possível relação entre autismo e glúten tem despertado o interesse tanto da comunidade científica quanto de muitas famílias que convivem com o transtorno do espectro autista (TEA). A busca por intervenções que possam aliviar sintomas comportamentais e melhorar a qualidade de vida dessas pessoas tem levado muitas famílias a experimentar dietas diferentes, especialmente a dieta sem glúten (e muitas vezes também sem caseína). No entanto, ainda não é unanimidade nas pesquisas (como a muitas intervenções na nutrição). A base científica por trás dessa abordagem ainda é motivo de debate, e é claro que cada caso deve ser avaliado de forma individualizada por profissionais capacitados. Para entender melhor essa relação, é importante que a gente saiba como o glúten atua no corpo e como ele pode interagir de maneira particular no organismo de pessoas com TEA.

Mas antes de falarmos sobre a relação do autismo com o glúten, vamos falar resumidamente sobre o o que é autismo.

Autismo: Uma explicação rápida

O autismo ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), é uma condição que afeta a maneira como uma pessoa percebe o mundo e se relaciona com outras pessoas. Isso pode significar que alguém com autismo pensa e sente de um jeito diferente, o que pode tornar algumas coisas, como entender o que os outros estão sentindo ou se comunicar, mais desafiadoras.

O autismo é chamado de “espectro” porque afeta cada pessoa de maneira única. Algumas pessoas podem ter dificuldades graves em falar ou entender as outras, enquanto outras podem falar normalmente, mas ainda assim têm dificuldade em entender piadas, fazer amigos ou lidar com mudanças na rotina. Algumas crianças com autismo podem repetir certos movimentos, como balançar o corpo, ou ter interesses muito intensos por determinados temas, como dinossauros ou números.

Embora o autismo geralmente apareça nos primeiros anos de vida, ele acompanha a pessoa ao longo de toda a vida. É importante lembrar que o autismo não é uma doença, mas uma maneira diferente de o cérebro funcionar. Com apoio, compreensão e paciência, pessoas com autismo podem aprender, crescer e ter uma vida plena e feliz, cada uma do seu jeito especial.

Como o Glúten Impacta o Corpo?

Em pessoas saudáveis, o glúten é normalmente digerido no intestino, sendo quebrado em partes menores, chamadas peptídeos, que são depois absorvidos pelo corpo. Para a maioria das pessoas, o glúten não causa problemas, e o sistema digestivo lida com ele como faria com qualquer outra proteína alimentar.

**1. Impacto em Pessoas com Doença Celíaca: Para algumas pessoas, no entanto, o glúten pode causar sérios problemas. Em indivíduos com doença celíaca, que é uma condição autoimune, a ingestão de glúten provoca uma resposta exagerada do sistema imunológico. Essa resposta ataca o revestimento do intestino delgado, causando danos que dificultam a absorção de nutrientes. Isso pode levar a sintomas como dor abdominal, diarreia, perda de peso, anemia e até mesmo problemas de crescimento em crianças. O único tratamento eficaz para a doença celíaca é a eliminação completa do glúten da dieta.

**2. Impacto em Pessoas com Sensibilidade ao Glúten Não Celíaca: Algumas pessoas, mesmo sem ter doença celíaca, podem experimentar desconforto ao consumir glúten. Esta condição é conhecida como sensibilidade ao glúten não celíaca. Os sintomas podem incluir inchaço, dores de cabeça, fadiga e dor abdominal, mas ao contrário da doença celíaca, essa condição não causa danos permanentes ao intestino. No entanto, muitas pessoas com essa sensibilidade sentem-se melhor ao evitar o glúten.

**3. O Glúten e o Autismo: Quando falamos sobre o impacto do glúten no autismo, as coisas ficam mais complexas. Algumas pesquisas sugerem que o glúten pode afetar o cérebro de maneira diferente em pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). Em indivíduos com TEA, o intestino pode ser mais “permeável”, ou seja, pode permitir a passagem de fragmentos de glúten (chamados peptídeos) para a corrente sanguínea. Um desses peptídeos, a gliadorfina, pode atravessar a barreira que protege o cérebro e agir de forma semelhante a opiáceos (como a morfina), potencialmente afetando o comportamento e o humor.

Essa hipótese leva algumas famílias a tentarem dietas sem glúten para melhorar sintomas comportamentais em crianças com autismo. No entanto, os resultados variam de pessoa para pessoa, e a ciência ainda está explorando essa conexão.

O Intestino Autista: Química e Sensibilidade ao Glúten

Estudos sugerem que muitos indivíduos com TEA têm uma condição conhecida como “intestino permeável”, onde a parede intestinal é mais permeável do que o normal. Esse aumento da permeabilidade faz com que substâncias que normalmente são bloqueadas – como grandes fragmentos de proteínas, incluindo peptídeos derivados do glúten – passem para a corrente sanguínea.

Mas por que isso acontece? Uma das hipóteses é que as pessoas com autismo frequentemente apresentam disbiose, um desequilíbrio na microbiota intestinal. A microbiota saudável desempenha um papel crucial na digestão, na produção de nutrientes e na proteção contra patógenos. Quando essa microbiota está desequilibrada, pode haver uma degradação insuficiente das proteínas alimentares, levando à formação e absorção de peptídeos como a gliadorfina. Uma vez na corrente sanguínea, esses peptídeos poderiam alcançar o cérebro, onde se ligariam aos receptores de opiáceos.

Essa ligação poderia ter efeitos semelhantes ao de opiáceos, como sedação ou alterações no estado de humor, o que poderia se manifestar em sintomas comportamentais observados em algumas pessoas com autismo, como comportamento repetitivo, dificuldades de comunicação e resposta sensorial anormal.

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Pesquisas Atuais: O Que a Ciência Diz?

A conexão entre glúten e autismo é um campo de estudo relativamente novo. Os resultados das pesquisas até agora são variados, refletindo a complexidade da relação entre dieta e sintomas do autismo.

  1. Estudos que apoiam a conexão: Diversos estudos sugerem que a eliminação do glúten pode levar a melhorias em certos comportamentos e sintomas. Alguns estudos encontraram uma redução significativa nos comportamentos estereotipados em crianças autistas que seguiram uma dieta sem glúten e sem caseína por um período prolongado. Os pais dessas crianças também relataram melhorias na interação social e na comunicação, embora esses relatos sejam subjetivos.

Outro estudo relatou que crianças autistas que foram submetidas a uma dieta sem glúten mostraram melhorias comportamentais, como maior foco e menos irritabilidade. Esses estudos sugerem que, para alguns indivíduos, a eliminação do glúten pode ter um impacto positivo.

  1. Estudos que não encontram conexão clara: Por outro lado, nem todos os estudos corroboram essa conexão. Um estudo analisou diversos estudos sobre dietas sem glúten e sem caseína para autistas e concluiu que não há evidências suficientes para afirmar que essas dietas têm um efeito consistente e significativo sobre os sintomas do TEA. A revisão destacou a falta de estudos rigorosos, com amostras grandes e controladas por placebo, o que dificulta a formulação de uma conclusão definitiva.

Além disso, alguns pesquisadores apontam que as melhorias observadas em alguns estudos podem ser resultado do efeito placebo ou de outras mudanças concomitantes na dieta e no estilo de vida, ao invés de uma resposta direta à eliminação do glúten.

Considerações Finais: Uma Abordagem Personalizada

A relação entre o glúten e o autismo é complexa e ainda não completamente compreendida. O que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra, refletindo a diversidade dentro do espectro autista. Para algumas famílias, a eliminação do glúten pode trazer melhorias significativas, enquanto para outras, os resultados podem ser neutros ou até negativos.

É essencial que qualquer mudança na dieta, especialmente em crianças, seja realizada com o acompanhamento de um profissional de saúde qualificado, como um nutricionista ou um médico. Essas mudanças devem ser monitoradas de perto para garantir que a dieta permaneça balanceada e que a criança continue a receber todos os nutrientes necessários para o seu crescimento e desenvolvimento.

Todos sabemos que quando se fala de alimentação não podemos dizer que o que serviu para um servirá do mesmo jeito para o outro.

Na abordagem com autismo não é diferente, a dieta também é importante e deve ser individualizada. Embora a ciência continue a explorar essa área, as experiências das famílias e as observações clínicas permanecem cruciais na tomada de decisões. Por isso, é muito importante prestar atenção em nossas crianças e também na alimentação delas para que seja o mais adequado e saudável.

Quer aprofundar mais sobre o assunto? Aqui estão alguns estudos:

A Narrative Review about Autism Spectrum Disorders and Exclusion of Gluten and Casein from the Diet

Restrição de glúten e caseína em pacientes com transtorno do espectro autista

Brain Opioid Activity and Oxidative Injury: Different Molecular Scenarios Connecting Celiac Disease and Autistic Spectrum Disorder